A Maresia das Sensações


Levantou a cabeça e olhou para a mala, “Vou lá fora fumar um cigarro”. Pegou nas chaves e bateu a porta do carro.
Começou a andar em direcção à praia, enquanto ia acendendo o cigarro. Depois de uma puxada de fumo, a partir do seu melhor amigo, fechou os olhos por segundos e sentiu o cheiro alucinante da maresia.
- “Estou viva.”.
Quando chegou à praia sentou-se no muro que delimitava a zona balnear do passeio, e terminou de saborear o cigarro.
Agora ali parada, começou a observar melhor o que a rodeava. Conseguia entender a importância daquele mar, e era bom ver as pessoas saírem da praia, contentes e a sorrir, tudo aquilo era mágico. Todos aqueles momentos aparentemente tão simples e básicos faziam toda a diferença na vida de um ser humano que tem os seus afectos.
Pôs-se a pensar novamente, que já tinha tido momentos assim, que apesar de no momento em que os viveu ter sentido uma felicidade imensa, nos momentos a seguir, se calhar esqueceu-se com facilidade do verdadeiro valor que estes tinham.
O ser humano era assim. Dava valor ao que não tinha e às coisas do passado. Já tinha chegado a essa conclusão. À bastante tempo. Mas na verdade, quando avaliava bem o seu dia-a-dia, via com clareza que não existia nada que a motivasse, a não ser o seu trabalho.
Olhou para aquele areal, e pôs-se a imaginar tudo que já tinha vivido sobre ele. Tudo à sua volta continha uma história, tudo. Mas estar ali naquele fim de tarde representava para ela um grande avanço. Conseguiu sair, conseguiu enfrentar o mundo sozinha, sem ser com um ombro amigo do lado, e isso deu-lhe um certo poder interior e uma sensação inconfundível de libertação.
Não significava que não continuava a viver atormentada com os mesmos assuntos, mas já não vivia tanto em função deles.
Ficou ali, por uma hora a organizar as ideias. Depois disso quis voltar, porque queria jantar em casa. No caminho até ao carro foi a cantar e a olhar para o céu com um olhar esperançoso em relação ao futuro. Agarrou uma madeixa dourada do seu cabelo, e passou-o pelo nariz e sentiu de imediato o odor do mar impregnado. Sorriu.

Chegando a casa, decidiu pegar nas velhas recordações todas e encaixota-las. Aquele passado tinha de morrer ali, e caso isso continuasse a ser praticamente impossível, não haveria de ter nenhum objecto com ligação às lembranças ao seu alcance.
Em seguida tirou a roupa e entrou no duche. Ficou ali uns bons minutos com a água quente a desenhar-lhe o corpo.
Sentia-se feliz, apesar de tudo que a chateava, e tinha a certeza que no dia seguinte haveria de ir novamente à beira mar, dar um passeio para aliviar a cabeça e purificar a mente.
Saiu do banho e olhou-se ao espelho. Observou o seu corpo, a sua pele, as suas formas e o seu rosto. Passou as mãos pelos cabelos e naquele momento lembrou-se que ainda era uma mulher jovem demais, para se resignar às tristezas da vida. Sentiu-se bonita, e capaz de ser desejada por qualquer homem do mundo. Menos por um. O único que ela desejava que estivesse por perto, o mesmo das suas lembranças persistentes.
Afastou os pensamentos, vestiu-se e foi jantar.




Tinha passado o dia a pensar se haveria de voltar àquela praia, e fazer desse momento um ritual diário. A ideia agradava-lhe mas a preguiça desmotivadora dizia-lhe constantemente um “Não”.
Acordou bem, e começou a pensar se a boa disposição estaria mesmo relacionada com o passeio do dia anterior.
Decidiu deixar os dilemas de lado, preocupava-se demais com coisas que não deveriam ter importância nenhuma. A verdade é que estava de férias e queria aproveitá-las.
-“Vou de novo!”.
Quando saiu do carro, voltou a repetir o gesto. Acendeu um cigarro, e tornou a fechar os olhos por segundos e sentiu mais afincadamente a vida.
Quando chegou à praia voltou a sentar-se no mesmo muro e praticamente no mesmo sítio que o da primeira vez.
Sentia a cabeça vazia, e não haveria nada melhor que isso para aquela mulher que passara tanto tempo com os mesmos tormentos.
A sensação dos cabelos a esvoaçar com o vento, era inconfundível e até o arrepio na pele que este lhe provocava era demasiado delicioso para a incomodar.
Enquanto saboreava aquele momento, os seus olhos foram atropelados pela visão do homem que se sentou do seu lado. Observou-o por cima do ombro com um olhar desconfiado e um pouco ou quanto de desprezo.
Tornou a olhar para o mar, mas a curiosidade levou-a de novo para aquele homem que se sentou perto demais de si, visto que o que mais queria naquele momento era se sentir só, mesmo sabendo que centenas de pessoas passavam à sua volta.
Então viu-o a tirar um livro da mochila de uma forma apressada e até nervosa, e nesse momento ocorreu-lhe logo um pensamento “Há pessoas muito estranhas”.
Aquele homem tinha a barba por fazer, uns calções de praia encorrilhados, e uma tshir-t com aspecto de já ter corrido várias gerações.
Não sabia bem o porquê mas gostava de observar os outros, nunca o fazia com maldade. Mas desde do tempo que mal conseguia juntar as letras que adorava observar as pessoas e tentar imaginar os seus gostos e os seus problemas.
Quando se pôs a pensar nestas coisas, nem deu conta de onde andavam os pensamentos e que na verdade continuava a olhar para aquele homem, mas no fundo nem o estava a ver. Só se deu conta, quando o desconhecido interrompe o silêncio.

- Precisa de alguma coisa? – Resmungou ele, com um sorriso estranhamente não identificável, se seria bom ou mau.
- Não, não. Porque haveria de precisar? – Maria respondeu nervosa, e um pouco envergonhada. Olhou de imediato para o mar.
- Olhe simplesmente porque quando olhei para si, estava fixada a olhar para mim. Por momentos até achei que tinha alguma coisa de errado. – Soltou uma gargalhada.
- Tem muita piada. Mas aviso-lhe desde já que mesmo que tivesse, eu não iria reparar. – Começou a bater o pé com nervoso miudinho que lhe invadia a perna.
- Peço desculpa. Perdeu alguma coisa por aqui?
- Desculpe? Não me diga que a praia é sua, se estiver incomodado retire-se. E caso não o faça, não se preocupe que sou eu quem o fará. – A perna começou a bater com mais força.
- Calma! Só perguntei porque ontem também a vi por aqui. E como hoje tornei a vê-la, achei estranho.
- Hum, não é normal, as pessoas virem ao mesmo sítio duas vezes? Pelos visto não fui a única.
- Pois, mas se está a falar de mim eu já o faço à muito tempo. E devido a isso, como pode calcular já controlo quem por cá passa. – Soltou uma gargalhada.
- Interessante. – Chateada não voltou a olhar para o estranho.
- Desculpe. – Disse-o num tom mais sério.
- Hum, hum. Bem vou-me embora, com licença.
- Até amanhã...

Começou a andar em direcção ao carro de uma forma acelerada e estava a pensar na estupidez daquela pessoa que teve de interromper-lhe o silêncio, - Até amanhã? – Pensou ela. Só podia estar doido. Apesar do seu aspecto duvidoso, a forma como falou não lhe transmitiu nenhuma segurança.


(continuação)


Histeria Só Minha


Coelha*

4 Não reclamas?:

Nevoeiro de Verão disse...
21 de dezembro de 2009 às 22:54

Continua que estás no excelente caminho.... mas o que mais acho impressionante foi a forma como "desenhaste" a ideia na minha cabeça com uma frase brutalmente bem conseguida...

"Ficou ali uns bons minutos com a água quente a desenhar-lhe o corpo."

Só Avulso disse...
21 de dezembro de 2009 às 22:58

Quem eu férias, nãaaaaaaaa! Falta-me é a inspiração (às vezes acontece)!

Estou a adorar o desenvolvimento da história...à espera da continuação!

bjs***

Sweet_Dreams disse...
22 de dezembro de 2009 às 01:00

Tens a capacidade de prender e virar todas as atenções para estes textos...e a capacidade de por outro lado deixar ficar a nsiedade pelo próximo!
Muito bem escrito...
Beiijnho *

Carreirinha disse...
23 de dezembro de 2009 às 13:45

Continua amiga, estou a adorar....sinceramente vamos já enviar esta história para uma editora..vai ser um best-seller ui ui...tou a gostar a sério que estou...não conhcia este teu lado ... e estou a gostar muitoooooooooo bjs

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